Porque se fala em saúde mental?

A saúde mental é a base do bem-estar geral. É este o sentido da expressão “mente sã em corpo são” ou, noutra formulação, que “não há saúde sem saúde mental”.

Assim, ao considerarmos a “saúde mental” estamos a falar de:

  • Capacidade de adaptação a novas circunstâncias de vida/mudanças;
  • Superação de crises e resolução de perdas afetivas e conflitos emocionais;
  • Ter capacidade de reconhecer limites e sinais de mal-estar;
  • Ter sentido crítico e de realidade mas também humor, criatividade e capacidade de sonhar;
  • Estabelecer relações satisfatórias com outros membros da comunidade;
  • Ter projetos de vida e, sobretudo, descobrir um sentido para a vida.

Quando existe sofrimento emocional e a relação com familiares e amigos não for suficiente para os resolver, importa pedir ajuda a profissionais do sector, a começar pelo respetivo Médico de Família.

Para a redução da qualidade da saúde mental concorrem motivos pessoais, circunstanciais e constitucionais: há pessoas mais vulneráveis emocionalmente a acontecimentos de vida adversos, como há pessoas mais suscetíveis à exposição ao sol do que outras, inclusive ao aparecimento de melanomas.

Assim, há acontecimentos de vida que, numas mais facilmente, precipitam doença mental, particularmente a nível de perturbação da ansiedade ou do humor (depressão, isto é, tristeza patológica pela intensidade e/ou duração). A par destas perturbações mentais comuns, que em Portugal têm uma elevada prevalência (anual 22,9%; 42,7% ao longo da vida), também existem doenças mentais graves (cerca de 4%), que podem exigir cuidados especializados médicos (de psiquiatria), com eventual recurso a internamento e comum evolução crónica.

Em Portugal as perturbações mentais comuns são uma das principais causas de incapacidade para a atividade produtiva, expressa, por exemplo, pelo elevado número de baixas e de reformas para a atividade profissional. Simultaneamente somos, há anos, o maior consumidor europeu de benzodiazepinas (os tranquilizantes mais frequentes ou ansiolíticos), com valores também relevantes nos antidepressivos e nas bebidas alcoólicas.  Quer as benzodiazepinas quer o álcool induzem dependência e tolerância, tendo, entre outros, um efeito meramente sintomático: não interferem na origem do sofrimento psíquico, apenas na expressão dos seus sintomas, com várias ações adversas possíveis: défice cognitivo (memória, quiçá indução de quadros demenciais) nas benzodiazepinas em toma prolongada; comportamentos de risco e indução de depressão nas bebidas alcoólicas.

A saúde mental pode ser promovida? E a doença mental pode ser evitada?

A promoção da saúde mental está presente desde o início da vida, refletindo-se na adaptação e na satisfação com que se cresce e na capacidade de resolver adversidades. A saúde mental não é estanque nem estática, podendo haver desequilíbrios ao longo da vida. A intervenção precoce, em certos casos, previne complicações futuras e, noutros, facilita a recuperação e a reinserção social nas situações mais crónicas.

A investigação clínica e psicológica evidencia a importância das primeiras experiências de vida para o desenvolvimento futuro. Por isso a prevenção da saúde mental faz-se desde a gravidez, sendo esta uma fase do ciclo de vida fundamental, onde grandes transformações levam a grandes desafios. Uma criança não existe sem uma família; quando nasce um filho, nascem também uma mãe e um pai. Mesmo na ausência física de uma das partes, a função parental está simbolicamente representada. O vínculo estabelece-se pelo afeto. O bebé precisa, em primeiro lugar, do amor e da confiança dos pais, mas também precisa de aprender as regras e os valores da sociedade onde vive. A família é o núcleo da sociedade e é na infância que se constroem os alicerces da cidadania.

Mas como se educa uma criança? Durante a infância as crianças devem ser protegidas e, simultaneamente, ser viabilizada a criação de laços seguros e estáveis com os cuidadores, para que aquelas venham a desenvolver confiança no mundo e em si próprias – uma forte ligação prepara uma melhor autonomia.

Comece por escutar a sua criança, estando atento às suas necessidades e singularidades. Encoraje-a, conhecendo os seus pontos fortes mas também reconhecendo as suas fragilidades e dificuldades. Não basta dar conselhos: é mais importante dar o exemplo. Defina as regras e transmita-as de uma forma clara; as consequências do incumprimento devem ser contingentes, percetíveis e sustentáveis, assim como as recompensas. Lembre-se que a melhor motivação para aprender é a satisfação; divirta-se nessa tarefa!

Investigações revelam que algumas pessoas que desenvolvem doença mental na vida adulta manifestaram sinais ou tiveram episódios críticos durante a infância. Algumas doenças mentais não podem ser evitadas mas, ainda assim, o seu impacto pode ser minorado e a qualidade de vida pode ser majorada.

Recomendação: Tente ser coerente com os seus valores e assuma os seus próprios erros; evite culpabilizar os demais e a si próprio, mas aproveite a experiência para aprender.

Há projetos de promoção da saúde mental e de prevenção da doença no terreno?

  • Projeto Saúde Mental e Arte, de promoção da saúde mental e de combate ao estigma em pessoas adultas com doença mental grave, integradas em programas de reabilitação psicossocial. Em 2010, durante um encontro internacional da SPESM (Sociedade Portuguesa para o Estudo da Saúde Mental, em S. Pedro do Sul), promoveu-se uma exposição coletiva de Artes Plásticas. No ano seguinte, em Lisboa, em parceria com o CHPL (Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa), outra exposição coletiva de criações plásticas relevantes nas áreas da pintura, escultura e fotografia. Num conceito alargado de Arte, em 2012 realizaram-se workshops geridos por Chefs de Cozinha conceituados e dirigidos a pessoas com doença mental grave cozinheiros em IPSS’s, com o intuito de melhorarem a confeção e a apresentação dos pratos que confecionavam diariamente. Entretanto uma comissão de peritos percorreu o país para identificar e fotografar produções plásticas de méritos, fixadas em catálogo e que têm sido expostas em locais reputados – em 2013, a 1ª Exposição Nacional, exposta sequencialmente no Porto, Lisboa e Portalegre; em 2014 a 2ª Exposição Nacional de Artes Plásticas e o 1º  Ciclo do Teatro e da Dança, em Coimbra; em 2015 a 3ª Exposição Nacional de Artes Plásticas e o 2º Ciclo do Teatro e Dança, sequencialmente em Évora, Portalegre e Beja, integrando ainda Música e  Doçaria Conventual (Portalegre). O objetivo tem sido descentralizar a sensibilização e a informação sobre a importância do bem-estar/respeito dos Direitos Humanos das pessoas com problemas graves de saúde mental e aumentar a sua autoestima, direcionadas para profissionais da saúde e segurança social, responsáveis autárquicos e à população em geral, alargado, em 2015, à apresentação de um workshop na 23rd European Social Services Conference (Lisboa).
  • No contexto da gravidez e puerpério: Indicadores sobre o estado da Saúde Mental na grávida, puérpera e recém-nascido, integrados no Programa Nacional de Vigilância da Gravidez de Baixo Risco, em uso nos CSP no contexto da promoção da Saúde Mental. Tendo em conta que promover a SM é potenciar o estado de equilíbrio que permite ao sujeito compreender, interpretar e adaptar-se ao meio que o cerca, estabelecer relações significativas com os outros e ser um membro criativo e produtivo da sociedade, tem mostrado a evidência que a promoção da SM é efetiva no período da gravidez, puerpério e nos primeiros tempos de vida da criança. O objetivo teve como referência o Manual de orientação para profissionais de saúde, editado pela DGS/Direção de Serviços de Psiquiatria e Saúde Mental.
  • No âmbito da infância e adolescência, formações nas 5 Regiões de Saúde, implementadas por entidades externas com supervisão do PNSM: (i) Capacitação de profissionais dos CSP na avaliação do desenvolvimento e do risco emocional na infância/adolescência: formação descentralizada em articulação com a Coordenação do Plano Nacional de Saúde Infantil e Juvenil da DGS e no contexto da sua implementação, tendo em vista a deteção precoce pelos profissionais dos CSP dos sinais de risco emocional em crianças/adolescentes, com encaminhamento sempre que necessário para a resposta mais adequada, nomeadamente as Unidades de SM da Infância e Adolescência; (ii) Saúde Mental em Saúde Escolar: formação de promoção de competências socioemocionais de docentes e profissionais de educação e equipas de saúde escolar dos CSP. Estruturada em articulação com a Coordenação do Plano Nacional de Saúde Escolar da DGS e a Direção Geral da Educação do Ministério da Educação, desenvolve conteúdos deste Plano.

O suicídio: expressão de desespero mental.

A principal (e quase única) causa de morte por doenças mentais é o suicídio. Segundo Stuckler, Martin McKee, Sanjay Basu, (2011) “Os suicídios são apenas a ponta do iceberg em termos de problemas de saúde mental. O suicídio em si é um evento relativamente raro, mas sempre que há um aumento no número de suicídios há também um aumento de tentativas de suicídio fracassadas e de novos casos de depressão”. Regista-se que em média cada 10 a 20 tentativas terminam em suicídio consumado. Em Portugal as taxas de incidência mais recentes aumentaram em relação às que se verificavam tradicionalmente, passando-se de cerca de 10/100.000 habitantes/ano para 11,6 em 2014. Contudo, temos integrado os países com maior taxa de mortes de causa indeterminada, perspetivando-se que cerca de 20% serão por suicídio. A epidemiologia regista que a maioria destas pessoas procurou um médico no ano anterior, muitas no mês anterior. Simultaneamente o 1º Estudo Epidemiológico Nacional de Saúde Mental mostrou que no 1º ano do aparecimento de uma depressão major apenas 37,4 em cada 100 consultaram um médico. Para procurar alterar esta situação foi elaborado o Plano Nacional de Prevenção do Suicídio 2013-2017, para cuja implementação se: (I) apoiou a descentralização do Projeto + Contigo, desenvolvido pela Escola Superior de Enfermagem de Coimbra com a colaboração da ARS Centro; (ii) se integrou no projeto “Iniciativas em Saúde Pública”, apoiado pelo mecanismo financeiro dos países ex-EFTA EEA Grants, um eixo relativo a esta temática – capacitação do diagnóstico e intervenção terapêutica da depressão nos CSP: StopDepression (ISMAI) e PrimeDep (EUTIMIA) e “Deteção da depressão perinatal” (Serviço de Psicologia da Faculdade de Medicina de Coimbra), embora o suicídio em Portugal continue a ser sobretudo um problema no masculino, de pessoas idosas vivendo sós e com doença crónica incapacitante, vem-se registando um ligeiro acréscimo dos anos de vida perdidos, o que indica que tem descido a idade das pessoas que concretizam suicídio. Por ser um tema muito perturbador, importa tentar responder a algumas perguntas comuns sobre o mesmo:

  • O suicídio é evitável? Revendo através de metodologia científica o período que antecede o suicídio (autópsia psicológica), conclui-se que a maioria das pessoas tinha uma doença mental grave, sobretudo da área da depressão. Sendo doenças potencialmente tratáveis, é previsível que se o diagnóstico for em tempo útil e a prescrição clínica adequada seja evitado. Contudo os suicídios reativos a crises económicas e sociais carecem, em regra, de apoios sociais que revertam a situação de fundo.  
  • É perigoso pesquisar/abordar ideias de suicídio? Desde que se tenha preparação adequada e capacidade de gerir o desespero subjacente, pode ser muito importante fazê-lo: é o modo de nos aproximamos da pessoa em sofrimento e da dimensão do drama que vive.
  • Há relação entre a crise económica e social e o suicídio? A evidência epidemiológica demonstra-o, sobretudo se houver perda de emprego e da habitação. O estado mental é habitualmente agravado pelo recurso ao álcool como tentativa de atenuar a dor mental. O reforço de medidas sociais, nomeadamente em casos de desemprego do casal, a par de medidas de saúde de proximidade, em particular de saúde mental, está demonstrado que minoram as consequências dramáticas.
  • As crianças/adolescentes também se suicidam? O sofrimento mental existe em qualquer grupo etário, embora entre nós venha sendo reduzido nestes grupos etários. Importa ter presente que nas crianças e adolescentes a dor mental manifesta-se muitas vezes indiretamente: instabilidade do humor e comportamental, alterações do apetite e do sono, dificuldades de concentração.

O sofrimento emocional é normal?

O Ser Humano é mais do que um ser racional – as emoções, nomeadamente os afetos, são o substrato incontornável da vida mental, que “comandam” pelo menos as crianças nos primeiros anos de vida. O comportamento humano é afetado, inevitavelmente, por situações emocionais relevantes, pelo que a angústia e a dor mental, bem como vivências inconscientes, fazem parte do desenvolvimento pessoal e, muitas vezes, revelam sinais de adaptação essenciais. De facto, o que sentimos não está certo nem errado e as emoções devem ser reconhecidas e sintonizadas de acordo com as perceções, atos e pensamentos. Neste sentido, mais do que ter “pensamentos positivos” é importante ter “pensamentos verdadeiros”. Pensar a experiência emocional é um exercício de inteligência e uma fonte de enriquecimento pessoal na relação consigo próprio e com os outros. É por isso fundamental estarmos atentos a nós próprios, procurando estar em contacto com as nossas emoções. Por isso quando há crises (ou conflitos) emocionais importa aceitá-las e superá-las, elaborando-as (diferente de racionalizá-las), revendo eventualmente as nossas estratégias e dando valor às nossas capacidades e qualidades, não tendo receio de conferir o que se passa com quem confiamos, nomeadamente um profissional credenciado.

Com efeito, sempre que o grau ou a duração de sofrimento emocional sejam sentidos como excessivos, há que recorrer a um profissional de saúde, de preferência com competência psicoterapêutica. Para toda a dor tem de haver uma escuta; o isolamento e a incompreensão agravam qualquer problema, pelo que devem ser evitados, eventualmente contrariados. No caso das crianças e jovens, os adultos significativos deverão assumir esse papel e procurar um profissional de saúde para uma avaliação mais detalhada do risco.

Se for diagnosticada uma perturbação mental, a intervenção deve ser feita por especialistas e preferencialmente em equipa – nomeadamente nas mais graves o diagnóstico clínico e a prescrição farmacológica são atos médicos fundamentais em muitas situações, que em regra carecem de ser complementados por profissionais das áreas psicossociais; nas mais comuns a psicologia clínica pode ser suficiente no apoio ao desenvolvimento do projeto de vida de cada pessoa.

Em suma: a doença mental não é atributo de “espíritos fracos”. A base genética parece ser no geral pouco significativa, havendo muita evidência de a qualidade afetiva durante o amadurecimento psíquico (que só termina no final da adolescência) ser relevante. Em particular as perturbações de ansiedade e do humor (instalação de depressão do humor, isto é, tristeza patológica) muitas vezes são tratáveis por psicoterapia, que apenas nalguns casos pode ter de ser apoiada medicamentosamente. Não é por “falta de vontade” que se fica deprimido, muito menos psicótico!
 
Pessoas Mais Velhas e Demência:

O aumento exponencial das pessoas mais velhas em Portugal é um facto iniludível com consequente acréscimo de perturbações cognitivas, que nem sempre são sinónimo de síndromes demenciais.

Uma percentagem significativa das demências entre nós está ligada à hipertensão arterial (Demência por Multienfartes), logo potencialmente prevenível, mas o mesmo não acontece com a decorrente da apresentação clínica mais prevalente e que resulta da degenerescência das células cerebrais ou neurónios: a Doença de Alzheimer. Sem tratamento efetivo, tem evolução crónica e inexorável, com velocidade variável (os medicamentos comummente indicados apenas parecem atrasar um pouco essa progressão). A influência genética/familiar parece ser felizmente rara, apontando-se como preventivos os hábitos de vida saudáveis – combate ao sedentarismo, isolamento relacional/ intelectual/físico, alimentação inadequada, álcool, diabetes. A par da estimulação cognitiva precoce, a evidência científica mostra como muito relevante o evitamento da institucionalização, com a manutenção no domicílio, o que requer apoios adequados. Para o viabilizar o PNSM vem apoiando a Associação Alzheimer na formação de equipas de apoio domiciliário de unidades de cuidados primários, a par do Projeto Vidas, da União das Misericórdias, direcionado para a estrutura arquitetónica e a formação de profissionais de residências para pessoas com demência e de apoio domiciliário.

Desde 2013 que o PNSM desenvolve iniciativas de estruturação de um plano de intervenção em perturbações demenciais, a par da representação do país em iniciativas da UE e da OMS sobre o tema, tarefa que recentemente transitou para a Coordenação Nacional para a Reforma do SNS na área dos Cuidados Continuados Integrados.

Importa, porém, ter presente que embora depois dos 65 anos a probabilidade de um processo demencial duplicar em cada período de 5 anos, de acordo com Santana et al (2016) a estimativa de demência em Portugal para o grupo dos 65-69 anos é apenas de 1,53%.

Contudo, mesmo sem dados epidemiológicos nacionais, é seguro considerar-se que a problemática psíquica mais comum nas Pessoas Mais Velhas é a depressão, que ao contrário da demência é potencialmente tratável. Só que, por ser uma patologia com grande plasticidade, neste grupo etário muitas vezes apresenta-se sobretudo com compromisso cognitivo (alteração da memória, períodos de desorientação temporal-espacial, perda aparente de capacidades comuns). O quadro é tão confundível com um processo demencial que há anos algumas classificações de doenças psiquiátricas criaram o conceito de “pseudodemência depressiva”, cujo diagnóstico é alcançado através de uma rigorosa história clínica, eventualmente complementada por prova terapêutica com antidepressivo da última geração.